As capas dos jornais O Globo e O Estado de São Paulo, no último domingo, vão figurar na história da imprensa como exemplos do que não deve ser feito no jornalismo. Milhares de pessoas saíram às ruas, em 200 cidades, em repúdio a Bolsonaro e sua política de extermínio, que arrastou para o cemitério quase meio milhão de brasileiros.
As manifestações mostram que parcela significativa da sociedade, finalmente, se moveu. Apesar do medo, arriscou-se a sair de casa, tentou se proteger da melhor maneira possível e foi às ruas: para protestar, para compartilhar seu luto, suas dores e suas perdas, mas também sua força e sua esperança de vislumbrar um horizonte azul no meio dessa tormenta sem fim.
As pessoas querem viver. Esse foi o sentido maior das passeatas. Ao ver as imagens, lembrei de Drummond e do seu poema “A flor e a náusea”, que em seus versos nos diz: “Uma flor nasceu na rua ! (…) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. Drummond, atualíssimo. O que está claro agora é que as ruas não são monopólio da extrema direita e esse espaço será disputado, palmo a palmo, daqui até 2022.
O protesto mereceu três linhas na primeira página de O Globo. No Estadão, cinco linhas. E ambos trouxeram manchetes otimistas sobre a recuperação da economia. Entre os grandes impressos, esta Folha foi o único a perceber a importância das demonstrações, dando a elas foto e manchete. Ainda sobre a cobertura, vale a leitura da coluna de Maurício Stycer, no UOL, sobre o pouco destaque dado ao tema nas TVs.
A imparcialidade da imprensa é uma quimera. Mas, se espera que a mídia seja capaz de refletir múltiplas aspirações da sociedade em que está inserida e que não atue como porta-voz desse ou daquele interesse. Quando se descola da realidade e deixa de publicar o que é notícia (e as manifestações o foram por qualquer critério de análise), a imprensa se afunda na irrelevância. É preciso perceber a roda da história girando para não ser esmagado por ela.
(publicado originalmente na Folha de São Paulo em 01/06/2021)
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