Vem da floresta amazônica uma imagem que é um raio de luz neste momento em que o presidente volta a atacar as vacinas e, de forma especialmente cruel e criminosa, tenta sabotar a imunização de crianças.
Uma fotografia que circula intensamente nas redes sociais mostra o jovem indígena Tawy Zoé levando o pai, Wahu Zoé, nas costas, para tomar a vacina contra a Covid. O idoso não enxerga bem e tem dificuldades de locomoção. Como os nomes indicam, eles são da etnia Zoé, que vive nas matas do noroeste do Pará, perto da fronteira com o Suriname.
O autor da foto é o neurocirurgião Erik Jennings, que há quase vinte anos trabalha na assistência de saúde aos Zoés. A foto foi feita quase um ano atrás, quando começou a vacinação. Jennings conta que decidiu divulgá-la dias atrás, em seu perfil no Instagram, para incentivar a vacinação num momento em que o mundo enfrenta mais uma onda de contágio.
O médico conta ainda que o rapaz carregou o pai durante seis horas de caminhada até o posto de saúde e mais seis horas na volta à aldeia. É importante esclarecer que o esquema de vacinação dos Zoés foi definido pelos próprios indígenas. “Os Zoés decidiram se isolar voluntariamente. Montaram um sistema entre eles para não usar as mesmas trilhas entre as aldeias e só vão ao posto para tomar a vacina ou em caso de extrema necessidade”, me explicou Jennings.
Marcos Colón, doutor em estudos culturais e profundo conhecedor da assistência aos Zoés, destaca a importância de “uma estratégia de saúde que não agride a cultura e nem o modo de vida dos indígenas”. O resultado é que não há um único registro de Covid entre as 325 pessoas da etnia.
A foto do jovem Zoé carregando seu pai nos dá uma aula de humanidade, de ação coletiva de sobrevivência, de respeito aos mais vulneráveis e de amor entre pais e filhos. Essa é uma agenda de vida, poderosa, bela e indestrutível. Contra ela, não há agenda da morte que prospere.
(Publicado originalmente na Folha de São Paulo em 08/01/2022)
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