Não é de hoje que as emendas parlamentares se prestam ao toma lá, dá cá. Mas a coisa ganha outra dimensão quando se sabe quem pediu o quê, para quem e quanto, como mostrou o repórter Breno Pires, de “O Estado de São Paulo”. A reportagem revela a existência de um orçamento secreto e o intrigante pendor dos congressistas por máquinas agrícolas, especialmente tratores. A malandragem já vem batizada: é o tratoraço de Bolsonaro.
A reportagem é o roteiro de uma investigação. Nomes, valores e destinação das máquinas estão ali. Tudo cheira mal na rapinagem de R$ 3.000.000.000,00 do orçamento público. Teoricamente, as máquinas vão ser usadas em obras de prefeituras. Algumas estão localizadas a milhares de quilômetros da base eleitoral dos parlamentares, e foi detectado superfaturamento de até 259% nas compras. Ora, mas Bolsonaro não havia acabado com a corrupção ?
O tratoraço de Bolsonaro explica a eleição folgada de Arthur Lira para a presidência da Câmara, o engavetamento dos pedidos de impeachment (além dos que foram herdados de Rodrigo Maia) e a dificuldade de criação da CPI da Covid-19 no Senado, arrancada a fórceps por decisão do STF. A pilhagem tem que ser investigada no contexto da pandemia. O mesmo Bolsonaro que usa dinheiro público para aliciar parlamentares é o que está no comando do genocídio brasileiro.
O que sobra para encomendar tratores e, claro, produzir cloroquina, falta para comprar oxigênio, abrir leitos de UTI e para as tão esperadas vacinas. Por falta delas, capitais suspenderam a imunização. Sem a matéria-prima da China, o Butantan interrompeu a produção de doses. Sem vacina para todos, a morte, a fome e o desemprego seguirão nos ameaçando por tempo indefinido.
Penso no Brasil de Bolsonaro como a metáfora de uma casa abandonada, onde os ratos se sentem à vontade para disputar os despojos. Para não chegarmos a isso, é preciso CPI, impeachment, processo, condenação e prisão.
(publicado originalmente na Folha de São Paulo em 11/05/2021)
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