O mercado toma café, almoça e janta, mas ficou todo arrepiado e histérico quando Lula repetiu o que vem falando há décadas: que o combate à fome é sua prioridade. E que é preciso discutir, sim, o que é gasto, o que é investimento, regra de ouro e outros parâmetros que acabam deixando pouco espaço para incluir o pobre no orçamento público.
Lula tem legitimidade para pautar esse debate. Não é um doidivanas. Tem histórico de responsabilidade fiscal em seus dois mandatos anteriores. A equipe de transição (com Alckmin no comando e a presença de Pérsio Arida e Lara Resende entre seus economistas) também aponta para o equilíbrio entre o controle das contas e as urgências sociais neste terceiro mandato, como os 33 milhões de brasileiros de barriga vazia.
Não há razão para o pânico da semana passada, reverberado pelos bonecos de ventríloquo do mercado na mídia. “O mercado está tenso”, “o mercado está nervoso”, repetiram talking heads, como num jogral. Já vimos esse filme.
Em 2002, o mercado também pressionou para o anúncio do ministro da Fazenda, num quadro de muitas fragilidades e dúvidas sobre o que seria a política econômica petista. Lula anunciou Palocci em dezembro. Não há por que fazer diferente agora, submetendo-se à chantagem de quem apostou (aposta?) contra ele.
Lula terá que compor seu governo num cenário interno muito mais complexo que o de 20 anos atrás. Sua base de apoio parte de um extenso (e contraditório) arco de alianças políticas. No Congresso, partidos semelhantes a facções criminosas estão fortalecidos. Bolsonaro deixou terra arrasada.
Lá fora, há uma guerra de desfecho imprevisível como parte de uma disputa por hegemonia mundial. E a crise climática impõe a transição para uma economia de baixo carbono que exigirá imensa capacidade de articulação com o setor produtivo. Ao mercado e seus porta-vozes, deixo uma dica para acalmar os nervos: chá de camomila ou cidreira. É tiro e queda.
(publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 15/11/2022)
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