O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, precisa tomar cuidado com a língua condescendente que distorce fatos e agride a realidade, transformando atos golpistas em “manifestações da democracia” que, inclusive, contaram com a participação de “familiares e amigos” dele. O ministro disse ainda que escolheu os novos comandantes militares pela internet.
A historiadora Heloisa Starling, da UFMG, estudiosa da atuação de militares na política, aponta dois erros de Múcio. “O que temos visto é a tentativa de corroer a democracia por dentro. A naturalização do golpismo contribui para essa corrosão. Ele não é ministro do Bolsonaro. É ministro de Lula e tem que defender a democracia”.
O segundo erro, destaca a historiadora, foi ter perdido a oportunidade de valorizar as indicações dos comandantes por antiguidade. “Não se escolhe militar pela internet. Ele não soube enfatizar que a escolha foi feita por um critério respeitoso e que fortalece a instituição. Não foi por afinidade política ou ideológica. O ministro precisa entender o papel dele.”
Militares têm sido um obstáculo para a consolidação da democracia no Brasil. Convém lembrar a interferência do então ministro do Exército de Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, na formulação do capítulo sobre as Forças Armadas na Constituição. A pressão resultou no texto do artigo 142, que alguns entendem como chancela para que militares exerçam um “poder moderador”.
É uma interpretação equivocada e que serve apenas para alimentar golpismo em hostes adversárias da democracia e da normalidade institucional. A relação entre o poder civil e as forças armadas ainda vai gerar focos de tensão por muito tempo.
Nas inevitáveis zonas de fricção, convém não confundir postura conciliadora com tibieza ou medo. O Brasil só conseguirá se reerguer com rigoroso respeito à lei, à Constituição e ao Estado democrático de Direito. Na posse, Lula deu o comando: “Democracia para sempre!”.
(publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 07/01/2023)
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