No cenário de águas turvas que as pesquisas de opinião não conseguiram captar completamente, o eleitor deu seu recado e o retrato do Brasil que sai das urnas neste primeiro turno não é bonito.
É verdade que Lula mantém capacidade extraordinária de liderança, a despeito do imenso investimento das forças de direita e de extrema direita para desconstruir sua trajetória desde a Lava Jato. Mas o patamar de votos de Bolsonaro zera completamente o jogo. Na guerra, é uma oportunidade de ouro.
A dianteira de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, e as eleições para governador no Rio de Janeiro e em Minas Gerais reforçam as trincheiras de Bolsonaro. A eleição de figuras que simbolizam tudo o que seu governo fez de mais cruel (Pazuello, Salles, Damares, Tereza Cristina, Mário Frias, Mourão etc) também diz muito sobre um Brasil medonho e que é dolorosamente real.
A união das forças democráticas em torno de Lula é, agora, um imperativo de sobrevivência para o país. Ciro Gomes e Simone Tebet deveriam ter feito esse movimento no primeiro turno, mas prevaleceram seus projetos pessoais e cálculos políticos que podem custar caro ao Brasil.
Ciro já se mostrou indigno da legenda criada por Leonel Brizola. A bile que o devora por dentro parece ter desorientado sua capacidade de discernimento. Quanto a Tebet, se não quiser sumir na irrelevância política, precisa se posicionar já. É hora de compromisso férreo com a democracia.
Nesses quatro anos, Bolsonaro estabeleceu as bases do seu projeto de erosão democrática, depauperou instituições e as relações entre os poderes da República. Sua eventual reeleição equivaleria a uma autorização para destroçar a Constituição e os pilares do Estado Democrático de Direito.
O Brasil não resistiria a mais quatro anos de domínio da extrema direita. Sob a névoa da guerra, Lula precisa avaliar erros, reajustar estratégias, reorganizar o ataque. A batalha decisiva é agora e seu desfecho é imprevisível.
(publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 04/10/2022)
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