Cristina
Serra
jornalista &
escritora.

Cristina
Serra
jornalista &
escritora.

ago 17, 2021 | Brasil

O Capanema é dos brasileiros

O amigo Rubem Braga estava na Itália, como correspondente de guerra, e Vinicius de Moraes escreveu-lhe em carta: “… está no tempo de caju e abacaxi, e nas ruas já se perfumam os jasmineiros. Digam-lhe que tem havido poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões à solta. Digam-lhe especialmente do azul da tarde carioca, recortado entre o Ministério da Educação e a ABI [Associação Brasileira de Imprensa]. Não creio que haja igual mesmo em Capri.”

O poeta falava da sede do Ministério da Educação, o Palácio Capanema, que foi - e ainda é - um manifesto de modernidade ética e estética num país arcaico. A construção é uma síntese do talento brasileiro e condensa um projeto de futuro, saído das mentes brilhantes dos arquitetos Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira e Ernani Vasconcelos. Tem jardins de Burle Marx, painéis de azulejos e afrescos de Cândido Portinari, esculturas de Bruno Giorgi e Celso Antônio de Menezes.

Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do ministro Gustavo Capanema, que encomendara o prédio, registrou as qualidades da obra: “Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as lâmpadas acesas durante o dia; (…) Das amplas vidraças do 10º andar descortina-se a baía vencendo a massa cinzenta dos edifícios. Lá embaixo, no jardim suspenso do Ministério, a estátua de mulher nua de Celso Antônio, reclinada, conserva entre o ventre e as coxas um pouco da água da última chuva, que os passarinhos vêm beber, e é uma graça a conversão do sexo de granito em fonte natural. Utilidade imprevista das obras de arte”.

Paulo Guedes pretende leiloar o Capanema que, aliás, é tombado desde 1948. Seu plano estúpido e obscurantista é fazer do Brasil um país que não mais se reconheça, banido do seu próprio rosto, sem memória nem medida da nossa singularidade criativa. Que o simples, belo e elegante Capanema seja o símbolo da nossa resistência e da nossa sobrevivência.

(publicado originalmente na Folha de São Paulo em 17/08/2021)

Tags

0 comentários

Comentários

Artigos relacionados

O planeta dos extremos

O Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU (IPCC) reforçou de modo contundente os...