As imagens dos atos terroristas em Brasília, no dia 8 de janeiro, recentemente divulgadas, mostram falhas de segurança inadmissíveis por parte dos militares que deveriam proteger o Palácio do Planalto. E mostram que ainda há muito por ser revelado, entendido e apurado sobre o que aconteceu no dia da tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito por parte de extremistas de direita, inflamados por quatro anos de retórica golpista de Bolsonaro.
Um vídeo de 25 minutos, disponível no site “Poder 360”, ilustra muito bem a inoperância e permissividade com os extremistas. O vídeo mostra uma tropa, no térreo do palácio e do lado externo, recuando diante da aproximação dos vândalos. Os militares estão com capacetes, escudos e viseiras. Portanto, tinham plenas condições de enfrentar os manifestantes ou, pelo menos, tentar intimidá-los e evitar sua aproximação.
O que se vê, ao longo de intermináveis 25 minutos, é o contrário. Na medida em que os terroristas se aproximam, os soldados permanecem agrupados e impassíveis. Assistem à invasão e à depredação sem tomar qualquer iniciativa de contenção. A impressão é de que não houve comando. Ou, se houve, foi para que os soldados não reagissem. Quem deu ou deixou de dar esse comando?
A paralisia da tropa nesses 25 minutos, na sede do Executivo, contrasta com a atuação da polícia legislativa, no Senado, que enfrentou os vândalos e conseguiu impedir que eles invadissem os gabinetes dos senadores.
No Planalto, mostram as imagens, os vândalos barbarizaram diante da tropa passiva: quebraram vidraças e catracas, danificaram equipamentos, arrancaram extintores para destruir tudo que encontrassem pela frente.
As cenas descritas acima aconteceram na ala Leste do Palácio, no térreo. No fundo da imagem, dá para ver outros vândalos seguindo para os andares superiores, onde a barbárie continuaria por cerca de mais uma hora.
Como já se sabe, no terceiro andar, na sequência dos acontecimentos, o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias (GDias), aparece interagindo com vândalos, da mesma forma que o major José Eduardo Natale de Paula Ferreira, que na época também era do quadro do GSI e sempre esteve próximo de Bolsonaro durante o governo passado.
Natale é uma flor de delicadeza com os terroristas, chegando até mesmo a servir água para um deles. Na nova leva de imagens, um vândalo aparece empurrando um carrinho cheio de garrafas de água e um balde de gelo para refrescar os criminosos.
É claro que GDias não é culpado pela invasão do Planalto e há que se apurar (como já estão sendo apuradas) as responsabilidades do Batalhão da Guarda Presidencial e do Comando Militar do Planalto, bem como a atuação dos golpistas aninhados no GSI remanescente do general Heleno, o decrépito. E é aí que está a origem da inoperância e complacência de GDias.
Até a rampa do palácio sabia que o GSI era um ninho de militares golpistas. A “limpeza” deveria ter sido feita antes da posse, ao menos em algumas funções chave e estratégicas. O GSI tem como uma de suas principais funções cuidar da segurança do presidente da República, do vice e de suas famílias. Como deixar a segurança de Lula na mão dessa gente? Manter a estrutura “herdada” do general golpista foi o primeiro erro.
Depois disso, vem a condescendência com os vândalos com quem interagiu no palácio. Em alguns momentos, GDias parece um tiozinho perdido testando as maçanetas das portas do terceiro andar. Por fim, até onde tem vazado pela imprensa, Lula teria pedido para ver todas as imagens e GDias teria dito que não seria possível porque algumas câmeras estavam quebradas. Se isso aconteceu mesmo, é muito grave. Para culminar a sucessão de erros (sem esgotar o assunto), GDias decretou sigilo sobre as imagens.
Portanto, de qualquer ângulo que se analise a atuação de GDias, fica difícil não identificar na breve sequência traçada acima uma combinação terrível de incompetência, leniência e complacência. A ver se isso poderá levar a alguma responsabilidade penal.
O fato, agora, é que o estrago está feito. O país viverá dias de intensa turbulência política e o governo terá que drenar suas energias para evitar que a CPMI se transforme num pântano colonizado pela extrema-direita e suas campanhas de ódio e fake news.
Ao mesmo tempo, o governo tem que decidir o que fazer com o GSI e isso não é pouca coisa pois se trata de uma estrutura militarizada. Segundo informações do site Congresso em Foco, o GSI é formado por cerca de 900 militares e 100 civis. É uma instância governamental com perfil mal definido. Cuida da segurança do presidente ao mesmo tempo em que coordena programa nuclear, espacial e de segurança cibernética, entre outras funções.
Não há razão para que o GSI seja comandado por um militar. É preciso desmontar com urgência qualquer enclave bolsonarista que ainda reste na estrutura do novo governo, seja militar ou civil. E, de uma maneira mais ampla, é preciso também desmilitarizar estruturas, como o GSI, que podem ter suas funções desempenhadas por civis. Cada vez mais é preciso que os militares entendam que seu lugar é nos quartéis.
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